quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Henrique VIII: O Retrato do Absolutismo Parlamentar


       A dinastia Tudor se inicia com o reinado de Henrique VII. Este casou-se com Elizabeth de York, com ela teve quatro filhos, Arthur, Henrique, Margaret e Mary. Por interesses políticos casou Margaret com James IV da Escócia e Mary com Luís XII da França. O primogênito, Arthur, ele uniu à princesa espanhola Catarina de Aragão em 1501. Arthur morreu de malária em 1502, a viúva Catarina de Aragão foi impedida de sair da corte, afinal o rei não havia recebido parte do dote da princesa e, por isso, não dera a ela todas as rendas previstas no contrato nupcial, assim os pais de Catarina não permitiram que ela voltasse à Espanha.


       Henrique VII morreu em 1509, aos 59 anos. Seu sucessor foi Henrique VIII, na época com 17 anos. Casou-se com Catarina de Aragão e no mesmo dia foram coroados rei e rainha da Inglaterra na Abadia de Westminster. Henrique era culto, atlético e falava vários idiomas. Aumentou a frota de cinco para 53 navios. Mas não era pacífico. Seu reinado foi o que teve mais execuções na história da Inglaterra: 330 mortes, entre 1532 e 1540. 

       No seu casamento com Catarina de Aragão não teve filhos sobreviventes, apenas uma filha, a princesa Maria. No entanto entregar a coroa a uma mulher enfraqueceria o reino. Com isso o rei pediu a anulação do seu casamento, porém o Papa recusou-se a aceitar seu pedido. Henrique continuou tentando a anulação, alegando que não teria filhos homens com Catarina, pois quando um homem desposa a mulher de seu irmão, Deus não o concederá filhos homens. Em quanto ocorriam as negociações para a anulação, Henrique se apaixonou por Ana Bolena, dama de honra da rainha. Casou-se secretamente com ela.

       O magnetismo sexual e a forma como ela cativou aqueles ao seu redor é bem documentada. “Foi essa diferença, bem como sua sagacidade, inteligência e efervescência, que atraíram o rei”, escreveu Richard Bevan, jornalista que trabalha em um roteiro sobre Ana. Além disso, Ana Bolena não foi somente a mulher do rei, ela teve grande importância na reforma religiosa.  

       Após a Papa descobrir o casamento do rei com Ana Bolena o excomungou, Henrique respondeu se separando da Igreja Católica. Criou a Igreja Anglicana, em que o rei era o chefe religioso, era permitido o divórcio e não obedecia a Roma. A decisão foi confirmada em 1534, no Decreto de Supremacia (Act of Supremacy).

        "A separação da Inglaterra da Igreja Católica foi subproduto da obsessão por um herdeiro", diz Heather Thomas. Porém Ana Bolena também não teve filhos homens vivos, apenas uma menina a futura rainha Elizabeth. 

       Henrique envolveu-se com Jane Seymour. Para que pudesse se casar com Jane, Henrique acusou Ana de traição e bruxaria. "Eram 8 horas da manhã de 19 de maio de 1536. Vestida com roupão preto coberto por um manto branco, Ana Bolena encaminhou-se para a execução. Não negou as acusações e elogiou seu marido, dizendo que o amava. Foi vendada e esperou poucos segundos até o carrasco lhe cortar o delicado pescoço", afirma Bevan.

      No seu casamento com Jane nasceu Eduardo, o tão esperado herdeiro do rei. Jane morreu doze dias depois por complicações no parto. Após sua morte Henrique se isolou do mundo sem ver ninguém a não ser seu bobo da corte. Desenhava castelos e escrevia poesias.

       Depois de um tempo voltou a governar a Inglaterra. Foi arranjado a ele um casamento com Ana de Cleves. Depois de receber um retrato e descrições da noiva decidiu casar-se. Ao vela pessoalmente, o rei não agradou de seu aparência, no entanto casou-se assim mesmo. Mas o casamento não foi consumado e durou pouco tempo.

        Em 28 de julho de 1540, Henrique casou-se com a jovem Catarina Howard, de apenas dezessete anos. Não foi uma rainha amada pelo povo, afinal não sabia se portar como uma. Foi executada sob acusação de adultério, e seu casamento com Henrique foi rapidamente anulado.

       O último casamento do rei foi com a rica viúva Catarina Parr. O casamento foi, ao contrário dos outros, pacífico e sem complicações. Catarina Parr era uma mulher culta e esteve no comando da Inglaterra enquanto Henrique VIII combatia na França. Além disso Cataria era protestante e chegou a escrever um livro com este mesmo ideal. Ela também teve uma boa relação com os herdeiros ou trono inglês.


       Henrique VIII morreu no dia 28 de janeiro de 1547, no Palácio de Whitehall aos 55 anos. Acredita-se que este grande monarca inglês sofria de gota e diabetes tipo II e isso pode ter antecipado sua morte.

       Seu sucessor foi seu único filho sobrevivente Eduardo, que assumiu o trono e se tornou Eduardo VI. Como este tinha apenas nove anos foi nomeado um Conselho de Regência que até Eduardo atingir a maioridade. No entanto, ele morreu perto dos 17 anos, vítima da tuberculose.

       Com a morte de Eduardo VI, Maria filha de Catarina de Aragão passou a ser a Rainha da Inglaterra. Maria restaurou o catolicismo e o crime de heresia.  Ficando assim conhecida como “A Rainha Sangrenta”.

      Agora o trono pertencia a Elizabeth I. Esta não se casou, ficando assim conhecida como “A Rainha Virgem”. Por não se casar não teve herdeiros ao trono.

       Com a sua morte, chaga o fim de mais de um século de poder Dinastia Tudor, que teve dois dos maiores monarcas ingleses, Henrique VIII e Elizabeth I.





quinta-feira, 5 de julho de 2012

A Maçã


       Este é um jornal feminista do século XIX, baseado na realidade feminina da época.  
       O jornal é parte de um trabalho realizado em julho de 2010, apresentado no Coecin (Feira do Conhecimento) da escola Coeducar - Viçosa, Minas Gerais, Brasil. As quatro escritoras são: Marina Resende, Cecília Resende, Isadora Urbano e eu (Marina Mendonça), na época alunas do 9º ano. O trabalho foi supervisionado por Carla Beatriz e Maura Crepalde, professoras de Língua Portuguesa e História, respectivamente. Também contamos com a ajuda do professor de Geografia, Guilherme Monteiro, que nos ajudou na escolha do nome e na elaboração do editorial. Outra ajuda de grande importância foi a leitura do jornal A Família, um verdadeiro jornal feminista do século XIX.

1º e único exemplar do jornal A Maçã


 EDITORIAL.
      A maçã não é apenas um pomo de pele rubra e polpa branca, é também o símbolo do conhecimento, o fruto proibido da árvore da ciência, ingerido por Adão e Eva ainda na aurora dos tempos.
      Eva comeu do fruto e levou-o a Adão. Ao morderem-no os dois ficaram cientes de tudo que lhes acontecia, souberam de todas as coisas boas e ruins. Ao longo dos séculos, acreditou-se que a mulher era a culpada por levar Adão ao pecado.
     Mas não seria Eva responsável por levar o bem da ciência à humanidade?
     Esse periódico pretende ser a maçã dos tempos atuais, nos quais parece ter sido perdido o saber. Tem como objetivo trazer a luz do conhecimento às mulheres e, dessa vez, tirá-las de um outro lugar, um outro paraíso, dado por uma sociedade machista conforme o gosto de seus eternos patriarcas. 

CRÍTICA.
Aqui está o triste espelho do modo como vivemos (e depois tornam a nos exigir a resolução de todos os assuntos relativos ao lar!):


Esposa: John! Onde está o resto de nosso salário? 
Como eu vou pagar o aluguel e comprar comida para as crianças?
Marido: Cale a boca! O que eu faço com meu dinheiro não é problema seu.

    HOMENAGEM.
 Reservo o presente espaço para homenagear brilhantíssimas mulheres que, nessas últimas décadas, levantaram-se e romperam barreiras para protestar e causar alguma mudança.
 Cito Nísia Floresta Brasi-leira Augusta, autora de diversos livros em prol da emancipação. 
 Lembro o nome de Josefina Álvares de Azevedo, fundadora do jornal “A Família”, grande voz de protesto.
 Chamo, ainda, a pessoa de Francisca Senhorinha da Motta Diniz, dona do ousado semanário O Sexo Feminino.
“Queremos a instrução pura para conhecermos nossos direitos, e deles usarmos em ocasião oportuna. Queremos, enfim, saber o que fazemos, o porquê e pelo que das coisas. Só o que não queremos é continuar a viver enganadas” – F. S. Motta Diniz
- C. R. Santos

CHRONICA DA VIDA QUOTIDIANA.
 Certa vez, num jantar em casa de um conhecido, a mulher do anfitrião contava sua rotina a um grupo de convidados. A descrição era enfadonha, mas curta. O dia resumia-se a cuidar dos filhos e do marido, quando este estava em casa, e alvoroçar-se com as vizinhas. Repito, era um discurso enfadonho, pois que se aplica mais ou menos igual a todas as mulheres deste nosso tempo. 
 Estamos sempre servindo aos maridos e aos filhos, quando homens, posto que grande parte do que fazemos a nossas filhas vai, direta ou indiretamente, servir aos seus futuros maridos. Vivemos sob a constante avaliação dos nossos esposos e da sociedade que controla, com uma versão inusitada da mão invisível de Smith, esse comportamento nosso.
 Ninguém se surpreenderia agora, se ficasse sabendo que o anfitrião do dito jantar não conteve um meio sorriso de orgulho ao ouvir o relato de sua mulher. Pois sua esposa não era um exemplo? e toda ocasião não é ocasião de promover-se? e a senhorinha não estava cumprindo muito bem o seu papel, afinal? 
 Essas conclusões refletem bem o que aqui tento evidenciar. O dia-a-dia da mulher, segundo a ética da sociedade, deve ser em casa; foi reservado a ela o trabalho de cuidar dos filhos e das costuras e dos homens, que não sabem cuidar-se de si próprios, e nada mais. Qualquer cousa mais leva a cochichos, burburinhos, escândalo. E isto é simplesmente o manifesto de uma pressão realizada continuamente pelo meio, infelizmente conformada e, muitas vezes, aceita.
 “Desesperai, mulheres que não seguirem este padrão! voltai correndo para tuas casas, e praticai os bons modos! pensai e chorai, chegai até o âmago de teu franzino ser, e, quando voltar ao juízo, aprendei de uma vez o teu lugar”. 
 Isto não quero mais ouvir.
- C. R. Santos

A EDUCAÇÃO NOS NOSSOS TEMPOS.
Caras companheiras, vivemos numa sociedade em que nossos direitos são reprimidos e inescrupulosamente vetados. Nossas obrigações básicas, ditadas à risca por homens de mente estreita, são a submissão e subserviência. Em tese, não deveríamos lutar por melhorias, porque somos consideradas o sexo frágil e desprotegido, o qual não pode obter conhecimento ou qualquer autonomia para liderar conscientemente a própria vida. 
Trago à tona um dos temas mais preocupantes da nossa condição, feminina. A educação.
Amigas, não é revoltante que passemos por tudo isso com a voz abafada pela discriminação?
Dentro de casa, passamos por conflitos familiares, violência doméstica – tanto física quanto psíquica -, depressão. E por quê? Por que nos submetemos a isso? 
Impuseram-nos necessidades que antes não existiam, levando em conta o nosso valor. Podemos mais que apenas chamar a atenção com cabelos, pele, roupa, jóias e modos expostos a julgamento. 
Os homens hoje acreditam que devemos desenvolver habilidades como o encanto e a sedução, o adestramento do espírito, se quisermos conquistar, efetivamente, alguma influência. Vêem-nos como uma raça inferior. E é exatamente esta a visão extremista que nos vem sendo transmitida há gerações. Nossos pais trataram assim nossas mães, e do mesmo modo os nossos maridos e filhos nos tratarão, se não dermos um “basta” a isso.
Em quem nos inspiramos até hoje? Não é possível negar que somos reflexos de nossos pais, em todas as suas atitudes e pensamentos, até que resolvamos perceber o quão ridículo é o papel a que nos sujeitamos. Nós, mulheres, sofremos muitas privações se quisermos seguir o modelo burocrático e artificial do século, no qual estamos estagnadas pelo preconceito e pelas limitações provenientes do machismo arraigado, obstinado.
O que esperam de nós é que passemos horas na toalete, recebamos visitas, passeemos nos bulevares e jantemos fora. Não podemos isolar-nos em casa, pois nossa vida social, teoricamente, é mais importante e apropriada que o contato com nossos familiares. Acreditam que nosso espírito deveria ser nutrido pela constante aprovação – ou não, pela qual somos sufocadas.
Não devemos manter-nos passivas à situação. Devemos intervir de forma crítica. Não criticar de modo despropositado, e sim tendo fundamentos e convicção sobre o que queremos reivindicar. E são os nossos direitos, nossos direitos de cidadãs, que nos foram tomados sem qualquer premissa.
A obrigatoriedade escolar surgiu na Prússia, com Frederico Guilherme I, que ainda no século XVIII aplicou a norma num grande Estado. Frederico Guilherme II, seu sucessor, colocou em prática o conceito do ensino laico (totalmente dissociado da Igreja); com o Regulamento geral nacional escolar assegurou a obrigatoriedade escolar para todas as crianças entre cinco e catorze anos e moveu a preparação de mestres.
No fim do século, com a Revolução Francesa, tivemos a Assembléia Constituinte, a Assembléia Legislativa e a Convenção – girondina e jacobina -, que trataram da educação pública.
Se desejássemos um sistema de ensino igualitário e eficiente, deveríamos inspirar-nos nesses modelos para alcançá-lo. Deve haver a obrigatoriedade do ensino de acordo com a faixa etária; o ensino deve ser gratuito; a Educação deve ser verificada (em outro termo: controlada) pelo Estado; deve haver uma rede de escolas; a contratação de professores deve ser regularizada, tal qual os currículos e padronização do ensino; devem haver órgãos e verba, especificamente para as questões educacionais.
Da independência do país até 1822, todas as questões relacionadas à educação 
provinham do Governo Imperial. Podem já deduzir que o Governo Imperial foi constituído por homens, e estarão corretas.

Em 1824, Pedro I estipulou na Constituição a instrução primária, gratuita para todos os cidadãos. Inicialmente, foi um avanço, mas a prática mostra que só o ensino primário não é suficiente. Queremos saber mais! Negam-nos a luz do conhecimento por razões recrimináveis. Caras mulheres, acredito que não somos, de forma alguma, o sexo frágil. Não disponibilizam-nos o conhecimento por medo, já que temos muitos mais planos e autocontrole. Percebem em nós a natureza para o domínio dentro do lar, onde, mesmo com todas as formalidades, seguindo a etiqueta, orientamos nossos filhos, ouvimos nossos pais, cuidamos de casa, comida, roupa. 
Em 1840, a Bahia já tinha posse de 132 escolas primárias. 124 das mesmas eram masculinas. Apenas oito eram direcionadas ao público feminino.
No ano de 1870, o Barão de São Lourenço, então presidente da província reformou amplamente o sistema educacional, podendo-se dividir a reforma em quatro subtítulos: Escola Normal dos Homens, Escola Normal das Mulheres, Reforma do Liceu e Reforma da Instrução Primária. O curso de formação de professores também foi modificado na ocasião. O masculino seria de dois anos e externato, enquanto o feminino seria de três anos e regime interno.  
1871. O Barão passou a admitir cursos primários mistos. Meninos de até sete anos poderiam estudar em colégios femininos.
Em 1881, o ministro Leôncio de Carvalho introduziu ao ensino primário as disciplinas de Lição de Coisas, Civilidade, Desenho Linear e Elementos de Ciências Naturais.
Em 5 de setembro de 1889, foi sancionada a lei de recomendação da abertura de novas escolas mistas. Recomendava também o uso de processos intuitivos, o horário letivo de seis horas diárias e regime de internato.
A obrigatoriedade dos estudos, mesmo sendo muito sugerida e incentivada, não teve realização, distanciando ainda mais a pretensão de educação básica universal, só ocorrendo depois do advento da República. Como sempre, preferem manter poucos com o conhecimento que todos deveriam obter!  
Devemos unir-nos, expressar nossas opiniões, sim. É disso que nossa sociedade, afinal, precisa! Estamos fartas de lenços e modos, precisamos de atitude! 
- I.R.Urbano


 SOBRE A MULHER E AS PROFISSÕES.
Entristece-me ver como os homens de faces e escritos os mais revolucionários caem-se, ao se tratar de mulheres, nas seguintes afirmações: “a mulher é destinada a servir à vida e ao coração dos homens e de seus filhos; e é este seu único ofício”, ou ainda “a cabeça e pensamento da mulher não foram moldados a fim de raciocinar, produzir e contar. Declara-se em seus atos sua fragilidade e incompetência para com os trabalhos de homem – política, economia, comércio, jurisdições e outras tantas complexidades do nosso sistema”. 
Irrita-me em profundidade ler ou ouvir de um entusiasta da melhora da educação e instrução da mulher, e erradicação de sua ignorância, a afirmação de algo que se traduziria como ignorância inata da mulher: sua incapacidade de atuar nos ramos e labores a que se dedicam os homens, seja por sua fraqueza e instabilidade ao lidar com o ambiente corporativo; seja pela infundada conclusão de que uma mulher que trabalha abandona à própria sorte os filhos e o marido (ora, querem dizer então que eles é que de nós dependem?). Contradizem-se com freqüência, vê-se.
Muitos clamam que a mulher, num meio de trabalho, seria exposta às regras de conduta masculina, que por sua vez a humilhariam e lhe tirariam a dignidade – dizem “pobres delas! Engolem disparates e ofensas para depois derramarem suas mágoas em casa, onde confusas, não entendem que se submetem a condições que não foram a elas designadas”. O desrespeito dos homens não nos deterá, devem saber - até porque, o desrespeito e limitação silenciosos nos cortam com faca muito mais afiada.
Já aqueles que, com superficial tom de ultraje, falam do abandono da família, nada mais podem dizer se, por luta tanto masculina quanto feminina, for reduzida a pesada carga horária e engordados os salários e reafirmados os direitos de tratos e saúde básicos do trabalhador, contribuindo de um modo geral para o bem-estar de todos os membros da família e presença atuante dos pais e mães na vida dos filhos. 
Ainda há alguns que, agora para meu ultraje, resistem, dizendo que a mulher, diante de um primeiro e natural (por sua condição de fraqueza e inadequação) fracasso na execução de um labor “masculino”, como a política, se torna obcecada pelo êxito, dedicando-se com tão cego afinco ao seu melhoramento que se esquece de seus familiares e dos cuidados que a ela cabe, por obrigação, lhes dar. A mim me parece, em contrapartida, que negligenciar os filhos é o que os homens já fazem, pois perderam a noção de que o amor à criança supera as ambições.
Afirmo ainda que “incapacidade inata" não temos, pois muitas mulheres já se provaram inclusive mais capazes que homens, guerreiras fiéis tais como Joana D’Arc e as lutadoras da Revolução de 1794; pensadoras contundentes como Olympes de Gouges; e as heroínas anônimas de todos os dias, que passam despercebidas, encobertas por um véu preso a correntes.
De fato, se há uma falta de habilidade, esta nos foi criada, ou imposta. Poderíamos aprender os ofícios da política e das leis, e dos cálculos e medidas, e do próprio ensinar e da história, e das artes médicas (no estrangeiro criaram-se as primeiras escolas de enfermagem para mulheres, a muito custo e suor destas, que desejo com fervor que se alastrem por nossas bandas), se nos fosse concedida a oportunidade, sendo que o labor e a instrução devem estar ligados. Não conheço um cavalheiro que saiba coser e cozinhar, mas, se desafiados, todos se diriam capazes de aprender.
Tendo rebatido as principais afrontas ao trabalho da mulher, luto pela igualdade de todos os ofícios e profissões, pela abertura dos auditórios e mesas redondas e universidades às mulheres. Se reivindicamos educação, representatividade, voto, poder de escolha; reivin -dicamos o exercício dos labores hoje existentes, que trazem consigo nossa plena independência.

PARTE II – CONSIDERAÇÕES ACERCA DO TRABALHO DA MULHER.

Em nossa belíssima Constituição, um artigo concede às mulheres o direito de trabalhar em empreendimentos privados, vetando–lhes o de ocupar cargos públicos. E, mesmo com este direito, pouco se faz dele uso, pois “a mulher que se preza”, diz-se, “não trabalha”, e a mulher pobre que tem de trabalhar ou não trabalha em empresa alguma, conseguindo de seu trabalho lavando e capinando e cozinhando um sustento próprio, irregular; ou trabalha numa empresa tal como fábrica e afins, e mesmo assim tem dificuldade de ser aceita para o operariado. Tanto como autônoma quanto como operária, a mulher é desrespeitada no ambiente de ofício. Se for de estirpe ou bem casada, ai daquela que, com uma –à custa disfarçada– falência da casa, faz-se a bordar, preparar doces, dar aulas de música, cuidar de crianças, pois tudo ao seu redor, especuladores e familiares e até o esposo, passam a diminuí-la em seu conceito.
Quanto a cargos públicos, conquistá-los é mister. É-nos proibido o acesso justo ao patamar mais influente da esfera dos trabalhos. Postar-se próximo a um governante é tudo nessa acirrada disputa por poder, o querer primeiro dos homens. Jamais se permitiria a uma mulher tal representação e alcance, mas talvez seja justo disto que precisemos para dar continuidade à nossa luta.
Pouco sabem os homens que as mulheres são a chave para aquilo que se movimenta em seu pensar, e que não distinguem. O que não faríamos para mudar um governo que nos traz insatisfação? Já é possível ver que a deposição do imperador não basta. É o anseio por mudança que acorda e bate sinos, à espera de que ao menos o som feroz das badaladas faça quebrar as muretas e colunas e portas trancadas de uma estrutura arcaica e secular.
- M.R.Santos

O VOTO.
Estamos em pleno século XIX e é terrível pensar que a mulher tem apenas a função de cuidar da casa, dos filhos, serem submissas aos homens e engolirem uma sociedade totalmente patriarcal e machista. 
E lembro a todas que também não temos acesso às mesmas informações que os homens, principalmente no que se refere à escola e ao saber.
Além disso, não somos respeitadas, nem mesmo consideradas cidadãs. Tanto que atualmente, quem pode votar são apenas os maiores de 21 anos, alfabetizados e do sexo masculino. Apesar de na década de 70 do séc. XIX ser aprovada a emenda constitucional nº. 15 que garantira o direito ao voto aos homens de qualquer raça, cor e condição social. E diante disso nos perguntamos onde estão os nossos direitos? Onde está o nosso lugar na organização da sociedade? Não podemos mais ficar paradas assistindo a tudo isso acontecer. Temos de lutar pelos nossos direitos, pois, em relação aos homens estamos no mesmo patamar de igualdade, nem piores, nem melhores. Sendo assim não devemos ser submissas a eles.
Minhas amigas, temos de lutar e mostrar a eles que queremos o nosso lugar na política, queremos votar e governar. Assim poderemos decidir a nossa própria vida e o nosso Futuro.
E fico a pensar, por que temos que seguir regras ditadas pelos homens? Estes que são incapazes de organizar um lar e uma família, e por isso que nos encarregam disso, como podem ser capazes de organizar e governar um Estado?
- M. L. Mendonça

A INDUMENTÁRIA.
Sabemos muito bem o que são as vestimentas femininas, pois todos os dias gastamos o nosso tempo vestindo várias camadas de roupa.
 Revolto-me sempre que penso nesse assunto, no qual mais uma vez os homens impõem suas regras sobre nós, e assim inocentemente aceitamos.
Mas por que temos de usar espartilhos e anáguas pesadíssimas? Temos que agradá-los sempre? Eu quero sentir-me livre disso, não quero ficar me sacrificando apenas para ter um corpo perfeito imposto pela sociedade, ou melhor, pelos homens (como sempre).     
Vivemos apenas para servir o homem, e qual a utilidade disso? Transformamos a vida deles num paraíso, enquanto isso a nossa é um verdadeiro inferno.
- M. L. Mendonça

A JUSTIÇA.
Sabemos muito bem que assim que nascemos já somos julgadas pelo simples fato de sermos mulheres, e não por motivos
concretos. Isso vem de fatos acontecidos há milhares de anos,
com o primeiro casal do mundo, no qual Eva da o fruto do
conhecimento a Adão e é tida como a culpada de trazer o
pecado ao mundo.  
  Assim temos hoje leis diferentes para homens e mulheres, o que considero um absurdo, pois somos iguais aos homens e
nosso julgamento não deve ser diferente.
Um ótimo exemplo disso é a questão da fidelidade. Enquanto temos de ser puríssimas e fiéis aos nossos maridos, eles nos traem bem embaixo dos nossos narizes, e temos de aguentar caladas. Se fizermos o mesmo, somos duramente castigadas, condenadas por adultério com penas que chegam até a morte. E os homens saem impunes, e dizem das prostitutas que são um mal necessário!
- M. L. Mendonça

CIDADÃ OU CIDADOA.







[Publicado em A Família, 7 dez. 1889. p. 5. – Josefina Álvares de Azevedo]


Manda a 
República agora
novo trato em moda pôr
já se não diz mais – senhora,
Ninguém mais já tem – senhor.
Excelência nem por graça;
foi-se a moda cortesã.
Dama altiva agora passa
a chamar-se cidadã.
Cidadã ou cidadoa, 
pouco ao caso vai também.
Cá por mim, que tudo entoa,
vai a moda muito bem.
Como entanto há quem procura
diferenças no tratar;
para aquela que isso apura
bom conselho tenho a dar.
Dama nobre, d’alta proa,
d’espavento, tigre, enfim,
chamaremos cidadoa,
que melhor parece assim.
Bela dama, dona antiga,
sempre amável, boa e chã,
essa tratável amiga,
chamaremos – cidadã.
Cortejando, uma pessoa
deve dizer com afã:
- Saúde e paz, cidadoa;
- Paz fraterna, cidadã.

CENTENÁRIO.
Comemoramos nesse ano, de 1894, o centenário da Revolução Francesa.
Comemoramos, então, um século da luta pela “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, admirável meta que ainda não foi alcançada. Homenageamos as mulheres que lutaram e guerrearam pelos seus direitos, destemidas, mesmo sem sucesso absoluto.
Se aquela luta trouxe o que almejavam os homens, agora, é nossa vez de revolucionar. Avante!


CITAÇÕES.
"(...) os pais acreditavam que uma educação séria para suas filhas era algo supérfluo: modos, música e um pouco de francês seria o suficiente para elas. Aprender aritmética não ajudará minha filha a encontrar um marido, esse era um pensamento comum. Uma governanta em casa, por um breve período, era o destino habitual das meninas. Seus irmãos deviam ir para escolas públicas e universidades, mas a casa era considerada o lugar certo para suas irmãs. Alguns pais mandavam suas filhas para escolas, mas boas escolas para garotas não existiam. Os professores não tinham boa formação e não eram bem educados. Nenhum exame público (para escolas) aceitava candidatas mulheres".
 (Louisa Garrett Anderson, depoimento escrito de 1839)
"Permanecer solteira era considerado uma desgraça e aos trinta anos uma mulher que não fosse casada era chamada de velha solteirona. Depois que seus pais morriam, o que elas podiam fazer? Para onde poderiam ir? Se tivessem um irmão, poderiam viver em sua casa, como hóspedes permanentes e indesejados. Algumas tinham que se manter e, então, as dificuldades apareciam. A única ocupação paga aberta a essas senhoras era a de governantas, em condições desprezadas e com salários miseráveis. Nenhuma das profissões eram abertas as mulheres; não havia mulheres nos gabinetes governamentais; nem mesmo trabalho de secretaria era feito por elas. Até mesmo a enfermagem era desorganizada e desrespeitada até que Florence Nightingale a tornasse uma profissão ao fundar a Nightingale School of Nursing (Escola Nightingale de Enfermagem) em 1860".
(Louisa Garrett Anderson, depoimento escrito de 1860)
“As mulheres devem ter o direito de subir à tribuna, já que têm a obrigação de subir ao cadafalso” - Olympes de Gouges, revolucionária francesa do século XVIII.



Lugares que visitei









Portugal


  • Castelo de Palmela - Palmela (Setúbal)

 
O castelo de Palmela é uma construção muito antiga sendo edificada por volta do século IX. Além disso é provável que tenha origem árabe.
Para saber mais sobre o castelo leia o arquivo PDF:
http://www.palmela2011.com/wp-content/ficheiros/palmela_castle_history_pt_es_en_fr.pdf














  • Mosteiro dos Jerónimos - Lisboa 






    O Mosteiro dos Jerónimos foi encomendado pelo rei D. Manuel I, após Vasco da Gama ter regressado da sua viagem a Índia. É um mosteiro manuelino, e mostra claramente a riqueza gerada pelos Descobrimentos portugueses. As margens do Rio Tejo o Mosteiro exibe todo o esplendor da arquitetura do século XVI, sendo um notável conjunto monástico em Portugal e uma das principais igrejas-salão da Europa.

          Recebe este nome por em 1834 ter sido entregue à Ordem de São Jerônimo.

       Na Igreja do mosteiro encontra-se os túmulos dos reis D. Manuel I e sua mulher, D. Maria, D. João III e sua mulher D. Catarina, D. Sebastião e D. Henrique e ainda os de Vasco da Gama, de Luís Vaz de Camões, de Alexandre Herculano, de Fernando Pessoa e outros.

       Após 1834, com a expulsão das Ordens Religiosas, o templo dos Jerónimos foi destinado a Igreja Paroquial da Freguesia de Santa Maria de Belém.

     Numa extensão construída em 1850 está localizado o Museu Nacional de Arqueologia. O Museu de Marinha situa-se na ala oeste. Integrou, em 1983, a XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura.



















  • Torre de Belém - Lisboa 


        A Torre de Belém é um dos monumentos mais belos da cidade de Lisboa. Localiza-se na margem direita do rio Tejo, que um dia existiu a praia de Belém. Quando foi construída era totalmente cercada pela água e assim permaneceu durante anos. No entanto agora a Torre se encontra em terra firme.

       No monumento podemos observar vários elementos nacionalistas, como o Brasão de armas de Portugal e cruzes da Ordem de Cristo. A arquitetura é típica de uma época em que o país era uma grande potência mundial – início da Idade Moderna.

       Classificada como Património Mundial pela UNESCO desde 1983, foi eleita como uma das Sete maravilhas de Portugal em 7 de julho de 2007.






  • Marco do Descobrimento - Lisboa 
Construído as margens do rio Tejo, pelo ditador Salazar, o monumento marca o local de onde partiram as caravelas portuguesas que chegaram a América.







Espanha

  • Muro de Berlim - Sevilla 
Muro de Berlim - Berlim, Alemanha
       Encontra-se no parque temático "Isla Magica" uma pequena parte do Muro de Berlim, e foi esta parte que tive o prazer de ver.


       O Muro de Berlim foi construído na madrugada de 13 de agosto de 1961. Este dividia a cidade de Berlim ao Meio, de um lado a República Democrática Alemã e do outro a República Federal da Alemanha

       Este muro também teve um valor simbólico, ele dividia o mundo em duas partes, em dois blocos, o socialista, guiados pela República Soviética e o capitalista, comandados pelos Estados Unidos.


Pedaço do Muro de Berlim - Isla Magica, Sevilla, Espanha







domingo, 17 de junho de 2012

Dicas de Livros

Se você é uma pessoa que gosta de História e de literatura, segue aí uma lista de livros que poderá gostar.

  • Séries:
  1. As Crônicas Saxônicas
Autor: Bernard Cornwell:  " presença assídua na tabela dos autores mais vendidos do New York Times e a quem o Washington Post se refere como "talvez o maior escritor de romances históricos da atualidade", apresenta-nos uma saga dominada pela violência, a raiva, a lealdade e a traição.    
         - O Último Reino:
  "O Último Reino" é o primeiro romance de uma série que contará a história de Alfredo, o Grande, e seus descendentes. Aqui, Cornwell reconstrói a saga do monarca que livrou o território britânico da fúria dos vikings. Pelos olhos do órfão Uthred, que aos 9 anos se tornou escravo dos guerreiros no norte, surge uma história de lealdades divididas, amor relutante e heroísmo desesperado. Nascido na aristocracia da Nortúmbria no século IX, Uthred é capturado e adotado por um dinamarquês. Nas gélidas planícies do norte, ele aprende o modo de vida viking. No entanto, seu destino está indissoluvelmente ligado a Alfred, rei de Wessex, e às lutas entre ingleses e dinamarqueses e entre cristãos e pagãos. "O Último Reino" não se resume a cenas de batalhas bem escritas e reviravoltas cheias de ação e suspense. O livro apresenta os elementos que consagraram Cornwell: história e aventura na dose exata. Uma fábula sobre guerra e heroísmo que encanta do início ao fim


         - O Cavaleiro da Morte
"O Cavaleiro da Morte" é um belíssimo relato de lealdades divididas, amor relutante e heroísmo desesperado. O livro começa no dia seguinte aos eventos de O último reino, primeiro volume da série.
São tempos terríveis para os saxões. Derrotados pelos vikings, Alfredo e seus seguidores sobreviventes procuram refúgio em Æthelingæg, a região a que ficou reduzido o reino de Alfredo. Aí, encobertos pela neblina, viajam em pequenos barcos entre as ilhas na esperança de se reagruparem, e encontrarem mais apoio.
Ao reunir o Grande Exército, os vikings têm apenas uma ambição: conquistar Wessex. Quando atacam em uma escuridão impiedosa, Uhtred se vê surpreendentemente do lado de Alfredo. Aliados improváveis: um rei cristão devoto e um pagão que vive da espada. Alfredo é um erudito; Uhtred, um guerreiro cheio de arrogância. No entanto, a desconfortável aliança é forjada e os conduzirá dos pântanos para a colina íngreme, onde o último exército saxão lutará pela existência da Inglaterra.

         - Os Senhores do Norte
Depois de lutar ao lado do rei Alfredo na batalha que assegurou Wessex como único reino independente da Inglaterra, Uhtred decide retornar à Nortúmbria, em busca da irmã de criação. No entanto, o jovem encontra um cenário desolador, uma aterra assolada pelo caos e barbárie. Ele se alia então a Guthred, ex-escravo determinado a se tornar rei da Nortúmbria. Juntos, seguirão até Dunholm, em busca da cabeça do senhor viking Kjartan.


         2. Os Reis Malditos
      Autor: Murice Druon, escritor francês, nasceu em Paris em 1918. Liceciado em Ciências políticas, passou pela Escola de Cavalaria de Saumur e participou em 1940 na batalha do Loire. Em 1942 parte para Londres onde se junta à Resistência e participa em emissões da BBC com o seu tio Joseph Kessel com quem compôs nesta altura a letra do Chant des Partisans. Correspondente de guerra (1944-45), publica um ensaio, Lettres à un Européen (1944) e uma narrativa: La Derniére Brigade (1946). Asua trilogia La Fin des hommes (1948-51) evoca a sociedade francesa entre as duas gerras. Com a publicação do romance histórico  Les Rois Maudits (1955-77), Druon atinge um vasto público leitor. Em 1966 entra para a Academia Francesa e torna-se secretári vitalício em 1986. Foi ministro da Cultura nos anos 1973-74.
- O Rei de Ferro
 Depois da descoberta do romance histórico, magnificamente representado por Alexandre Dumas, muitos foram os escritores que tentaram, com maior ou menor êxito, trilhar os caminhos desvendados pelo mestre, aproveitando as preferências manifestadas pelo público por esse tipo de literatura. Entretanto, Maurice Druon conseguiu realizar o almejado sonho de apresentar a verdade histórica com todas as características de grande obra de ficção literária, utilizando para tanto uma equipe de renomados romancistas, cenaristas e historiadores. Maurice Druon conta majestosamente a história do Rei Felipe, O Belo, na França do século XIV. O Rei de Ferro é o primeiro volume da série Os Reis Malditos .

- A Rainha Estrangulada 
A Rainha Estrangulada começa em novembro de 1314, com a morte de Felipe, o Belo. Dois grupos preparam-se para se enfrentar pela posse do poder - de um lado, o clã do baronato, conduzido por Carlos de Valois, irmão do rei, e de outro, o partido da alta administração, dirigido por Enguerrand de Marigny, coadjutor do finado.

- Os Venenos da Coroa 
Neste volume da série Os Reis Malditos , o novo monarca, Luís X, o Cabeçudo, livre da esposa adúltera, não tem outros pensamentos senão seu novo casamento, dessa vez com Clemência de Hungria. Preparadas as núpcias e a recepção da noiva na França, Luís X será capaz de adiar, em pleno campo de batalha, um confronto armado entre o maior exército jamais visto na França e os rebeldes flamengos, muitos dos quais ele prometia exterminar. Passional e imaturo, o rei não sabia que viria a se apaixonar por uma jovem princesa pura, cujo coração e pensamentos voltavam-se para a justiça, a paz, o espírito e a felicidade de seus súditos.

- A Lei dos Varões  
Neste volume, A lei dos varões , a narrativa começa na França, em junho de 1316. A Igreja e a França, ambas sem um chefe. A primeira, exposta ao Cisma. A outra, à guerra civil. De um lado, um conclave em busca de um papa para substituir Clemente V. Do outro, o rei Luís X, o Cabeçudo, que conseguiu desestruturar o Estado antes de morrer envenenado, exatos dezoito meses após a morte de seu pai, Felipe, o Belo. Pela primeira vez em 300 anos, um rei descendente dos Capetos não deixa um herdeiro para sucedê-lo no trono. Em meio a esse impasse, a grande indagação - a coroa irá para a sua filha de cinco anos, suspeita de ser bastarda, fruto de seu primeiro casamento com Margarida de Borgonha, ou será hipoteticamente reservada para a criança que nascerá do ventre de sua segunda esposa, Clemência de Hungria? Este quarto volume da série Os reis malditos reviverá lutas encarniçadas, por meio de armas, maquinações e complôs planejados por três parentes do rei morto - seu irmão, o conde de Poitiers; seu tio, o conde de Valois; e seu primo, o duque de Borgonha -, com o intuito de assumir a regência da França.

- A Loba de França 
 França, janeiro de 1317. Em um intervalo de seis anos, a França passou por uma série de catástrofes. O pior dos horrores, no entanto, chega com a morte de Felipe V - que, assim como seu irmão Luís X, morre sem deixar um herdeiro do sexo masculino. Isso faz com que o caminho do trono fique aberto para o terceiro filho do Rei de Ferro, Carlos IV. Neste quinto volume da série Os Reis Malditos , A Loba de França , tem início um período repleto de complôs e reviravoltas, uma fuga da torre de Londres, a corte dos papas em Avinhão, a cruel revanche manipulada por uma rainha francesa da Inglaterra para destronar seu marido, um assassinato perpetrado a um soberano.

- A Flor-de-Lis e o Leão
 Inglaterra, janeiro de 1328. Com a morte de Carlos IV, o Belo, chega ao fim a dinastia dos Capetos. Em seu lugar, surge o ramo Valois. Em A Flor-de-Lis e o Leão , Robert d Artois, o gigante implacável, dominará o cenário europeu, manipulará a nobreza para que a coroa seja concedida a Felipe de Valois e fará de tudo - falsificar, subornar, matar - para recuperar o condado d Artois.

- Quando um Rei Perde a França 
 França, meados do século XIV. Em pleno reinado de João II, a França está em crise - os clãs e as facções disputam o país, a Inglaterra reivindica o reino, a inflação está galopante, os impostos tornaram-se abusivos, a Igreja atravessa uma crise moral e dogmática, a peste assola o país e o rei acumula uma infinidade de erros. Quem surge como narrador deste cenário, em que a França perde sua autonomia como Estado e passa para o domínio da Inglaterra, é o cardeal Talleyrand-Périgord, uma importante personalidade da época. Através de sua voz, o leitor entrará em contato com uma epopéia tenebrosa e sangrenta, que levará o rei francês a se tornar prisioneiro de seu próprio primo - Eduardo, príncipe de Gales. Quando um Rei Perde a França é o sétimo e último volume de Os Reis Malditos , de Maurice Druon, uma das séries históricas mais famosas em todo o mundo. Os Reis Malditos ilumina a famosa afirmação dos irmãos Goncourt; "A História é um romance que aconteceu." Quando foi editada pela primeira vez, durante a década de 1950, provocou uma corrida às livrarias e, posteriormente, passou a ser identificada como um dos principais modelos contemporâneos para o chamado "romance histórico". Com extremo respeito à autenticidade documental (reproduzindo fatos, costumes, trajes e paisagens com precisão), Maurice Druon transmite ao leitor uma forte sensação de aprendizado sobre o passado da sociedade européia. Quando um Rei Perde a França revela-se uma grande obra literária, respeitando os fatos ao mesmo tempo em que acrescenta à realidade necessárias pitadas de fantasia. Os Reis Malditos é a mais importante saga histórica de todos os tempos; foi traduzida para mais de 30 línguas e teve tiragens milionárias em diversos países. Nos anos 70, foi adaptada em uma mini-série para a tevê francesa que se transformou em um sucesso mundial de audiência. Iniciada nos livros O Rei de Ferro (Volume 1), A Rainha Estrangulada (Volume 2), Os Venenos da Coroa (Volume 3), A Lei dos Varões (Volume 4), A Loba de França (Volume 5) e A Flor-de-Lis e o Leão (Volume 6), a série chega ao fim com este Quando um Rei Perde a França (Volume 7).





terça-feira, 29 de maio de 2012

Carta de Pero Vaz de Caminha


Senhor:
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer.
Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo:
A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março. Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e nove horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grã- Canária, e ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.
Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!
E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, estando da dita Ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam fura-buxos.
Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome - o Monte Pascoal e à terra - a Terra da Vera Cruz.

Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças; e ao sol posto, obra de seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos
em direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez
horas pouco mais ou menos.
Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si.
E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.
Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete
vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal
grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.
Na noite seguinte, ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus, e especialmente a capitânia. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela; e fomos ao longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nos demorássemos, para tomar água e lenha. Não que nos minguasse, mas por aqui nos acertarmos.
Quando fizemos vela, estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali poucos e poucos. Fomos de longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que seguissem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.
E, velejando nós pela costa, obra de dez léguas do sítio donde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As naus arribaram sobre eles; e um pouco antes do sol posto amainaram também, obra de uma légua do recife, e ancoraram em onze braças.
E estando Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife a sondar o porto dentro; e tomou dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos, que estavam numa almadia. Um deles trazia um arco e seis ou sete setas; e na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas de nada lhes serviram. Trouxe-os logo, já de noite, ao Capitão, em cuja nau foram recebidos com muito prazer e festa.
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento
duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber.
Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço
e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram
sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal como se lá também houvesse prata.
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a lançaram fora.
Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.
Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de cobrirem suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins; e o da cabeleira esforçava-se por não a quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaram-se e dormiram.
Ao sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, e fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e alta de seis a sete braças. Entraram todas as naus dentro; e ancoraram em cinco ou seis braças - ancoragem dentro tão grande, tão formosa e tão segura, que podem abrigar-se nela mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus quedaram ancoradas, todos os capitães vieram a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que fossem em terra e levassem aqueles dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas, e isto depois que fez dar a cada um sua camisa nova, sua carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que eles levaram nos braços, seus cascavéis e suas campainhas. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de D. João Telo, a que chamam Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho.
Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo obra de duzentos homens, todos nus, e com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levávamos acenaram-lhes que se afastassem e pousassem os arcos; e eles os pousaram, mas não se afastaram muito. E mal pousaram os arcos, logo saíram os que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não pararam mais; nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais corria. E passaram um rio que por ali corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga; e outros muitos com eles. E foram assim correndo, além do rio, entre umas moitas de palmas onde estavam outros. Ali pararam. Entretanto foi-se o degredado com um homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e o levou até lá. Mas logo tornaram a nós; e com ele vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.
Então se começaram de chegar muitos. Entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam; traziam cabaços de água, e tomavam alguns barris que nós levávamos: enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todos chegassem à borda do batel. Mas junto a ele, lançavam os barris que nós tomávamos; e pediam que lhes dessem alguma coisa. Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, a outros uma manilha, de maneira que com aquele engodo quase nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas por sombreiros e carapuças de linho ou
por qualquer coisa que homem lhes queria dar.
Dali se partiram os outros dois mancebos, que os não vimos mais.
Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, tinham os beiços furados e nos buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha; outros traziam três daqueles bicos, a saber, um no meio e os dois nos cabos. Aí andavam outros, quartejados de cores, a saber, metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, a modos de
azulada; e outros quartejados de escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas, e
suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.
Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha, que se não entendia nem ouvia ninguém.

Acenamos-lhes que se fossem; assim o fizeram e passaram-se além do rio. Saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris de água que nós levávamos e tornamo-nos às naus. Mas quando assim vínhamos, acenaram-nos que tornássemos. Tornamos e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles. Este levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá houvesse. Não cuidaram de lhe tomar nada, antes o mandaram com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, ordenando que lhes desse aquilo. E ele tornou e o deu , à vista de nós, àquele que da primeira vez agasalhara. Logo voltou e nós trouxemo-lo.

Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por louçainha todo cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia asseteado como S. Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela. Nenhum deles era fanado, mas, todos assim como nós. E com isto nos tornamos e eles foram-se.
À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros e com os outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía, em frente da praia. Mas ninguém saiu em terra, porque o Capitão o não quis, sem embargo de ninguém nela estar. Somente saiu -- ele com todos nós -- em um ilhéu grande, que na baía está e que na baixa-mar fica mui vazio. Porém é por toda a parte cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir, a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele e todos nós outros, bem uma hora e meia. E alguns marinheiros, que ali andavam com um chinchorro, pescaram peixe miúdo, não muito. Então volvemo-nos às naus, já bem de noite.
Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães que se aprestassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um esperavel, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique,
em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali. A qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.

Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual esteve sempre levantada, da parte do Evangelho.
Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência viemos, o que foi muito a propósito e fez muita devoção.
Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar um pedaço. E
alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que aí tinham -- as quais não são feitas como as que eu já vi; somente são três traves, atadas entre si. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam não se afastando quase nada da terra, senão enquanto podiam tomar pé.
Acabada a pregação, voltou o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e fomos todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo, na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para lho dar; e nós todos, obra de tiro de pedra, atrás dele.

Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos; e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não.
Andava aí um que falava muito aos outros que se afastassem, mas não que a mim me parecesse que lhe tinham acatamento ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas, e andava tinto de tintura vermelha pelos peitos, espáduas, quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era assim vermelha que a água a não comia nem desfazia, antes, quando saía da água, parecia mais vermelha.
Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava entre eles, sem implicarem nada com ele para fazer-lhe mal. Antes lhe davam cabaças de água, e acenavam aos do esquife que saíssem em terra.
Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão; e viemo-nos às naus, a comer, tangendo gaitas e trombetas, sem lhes dar mais opressão. E eles tornaram-se a assentar na praia e assim por então ficaram.
Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e pregação, a água espraia muito, deixando muita areia e muito cascalho a descoberto. Enquanto aí estávamos, foram alguns buscar marisco e apenas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais
vinha um tão grande e tão grosso, como em nenhum tempo vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira.
E tanto que comemos, vieram logo todos os capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor, com os quais ele se apartou, e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para a melhor a mandar descobrir e saber dela mais do que nós agora podíamos saber, por irmos de nossa viagem.
E entre muitas falas que no caso se fizeram, foi por todos ou a maior parte dito que seria muito bem. E nisto concluíram. E tanto que a conclusão foi tomada, perguntou mais se lhes parecia bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui por eles outros dois destes degredados.
Sobre isto acordaram que não era necessário tomar por força homens, porque era geral costume dos que assim levavam por força para alguma parte dizerem que há ali de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois
homens destes degredados que aqui deixassem, do que eles dariam se os levassem, por ser gente que ninguém entende. Nem eles tão cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam, quando Vossa Alteza cá mandar.
E que, portanto, não cuidassem de aqui tomar ninguém por força nem de fazer escândalo, para de todo mais os amansar e apacificar, senão somente deixar aqui os dois degredados, quando daqui partíssemos.
E assim, por melhor a todos parecer, ficou determinado.
Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos nos batéis em terra e ver-se-ia bem como era o rio, e também para folgarmos.
Fomos todos nos batéis em terra, armados e a bandeira conosco. Eles andavam ali na praia, à boca do rio, para onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e acenavam que saíssemos. Mas, tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais largo que um jogo de mancal. E mal desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. Alguns aguardavam; outros afastavam-se. Era, porém, a coisa de maneira que todos andavam misturados. Eles ofereciam desses arcos com suas
setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que lhes davam.
Passaram além tantos dos nossos, e andavam assim misturados com eles, que eles se esquivavam e afastavam-se. E deles alguns iam-se para cima onde outros estavam.
Então o Capitão fez que dois homens o tomassem ao colo, passou o rio, e fez tornar a todos.
A gente que ali estava não seria mais que a costumada. E tanto que o Capitão fez tornar a todos, vieram a ele alguns daqueles, não porque o conhecessem por Senhor, pois me parece que não entendem, nem tomavam disso conhecimento, mas porque a gente nossa passava já para aquém do rio.
Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, em tal maneira que os nossos trouxeram dali para as naus muitos arcos e setas e contas.
Então tornou-se o Capitão aquém do rio, e logo acudiram muitos à beira dele.
Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim nos corpos, como nas pernas, que, certo, pareciam bem assim.
Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma coxa, do joelho até o quadril, e a nádega, toda tinta daquela tintura preta; e o resto, tudo da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos, com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia nenhuma vergonha.
Também andava aí outra mulher moça com um menino ou menina ao colo, atado com um pano (não sei de quê) aos peitos, de modo que apenas as perninhas lhe apareciam. Mas as pernas da mãe e o resto não traziam pano algum.
Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio, que corre sempre chegado à praia. Ali esperou um velho, que trazia na mão uma pá de almadia. Falava, enquanto o Capitão esteve com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o entender, nem ele a nós
quantas coisas que lhe demandávamos acerca de ouro, que nós desejávamos saber se na terra havia.
Trazia este velho o beiço tão furado, que lhe caberia pelo furo um grande dedo polegar, e metida nele uma pedra verde, ruim, que cerrava por fora esse buraco. O Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela direito ao Capitão, para lha meter na boca. Estivemos sobre isso rindo um pouco; e então enfadou-se o Capitão e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho, não por ela valer alguma coisa,
mas por amostra. Depois houve-a o Capitão, segundo creio, para, com as outras coisas, a mandar a Vossa Alteza.
Andamos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há muitas palmas, não muito altas, em que há muito bons palmitos. Colhemos e comemos deles muitos.
Então tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde havíamos desembarcado.
Além do rio, andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles
folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem, fez-lhes ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras, e salto real, de que eles se espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo muito os segurou e afagou, tomavam logo uma esquiveza como de animais monteses, e foram-se para cima.
E então o Capitão passou o rio com todos nós outros, e fomos pela praia de longo, indo os batéis, assim, rente da terra. Fomos até uma lagoa grande de água doce, que está junto com a praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima
e sai a água por muitos lugares.
E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles andar entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão, que Bartolomeu Dias matou, lhes levou e lançou na praia.
Bastará dizer-vos que até aqui, como quer que eles um pouco se amansassem, logo duma mão para outra se esquivavam, como pardais, do cevadoiro. Homem não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais; e tudo se passa como eles querem, para os bem amansar.
O Capitão ao velho, com quem falou, deu uma carapuça vermelha. E com toda a fala que entre ambos se passou e com a carapuça que lhe deu, tanto que se apartou e começou de passar o rio, foi-se logo recatando e não quis mais tornar de lá para aquém.
Os outros dois, que o Capitão teve nas naus, a que deu o que já disse, nunca mais aqui apareceram - do que tiro ser gente bestial, de pouco saber e por isso tão esquiva. Porém e com tudo isso andam muito bem curados e muito limpos. E naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são tão limpos, tão gordos e tão formosos, que não
pode mais ser.
Isto me faz presumir que não têm casas nem moradas a que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais. Nem nós ainda até agora vimos nenhuma casa ou maneira delas.
Mandou o Capitão aquele degredado Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. Ele foi e andou lá um bom pedaço, mas à tarde tornou-se, que o fizeram eles vir e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram nenhuma coisa do seu. Antes - disse ele - que um lhe tomara umas continhas amarelas, que levava, e fugia com elas, e ele se queixou e os outros foram logo após, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de fetos muito grandes, como de Entre Douro e Minho.
E assim nos tornamos às naus, já quase noite, a dormir.
À segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos, mas não tantos como as outras vezes. Já muito poucos traziam arcos. Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-se conosco. Abraçavam-nos e folgavam. E alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha ou por qualquer coisa. Em tal maneira isto se passou, que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles, onde outros muitos estavam com moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, deles verdes e deles amarelos, dos quais, creio, o Capitão há de mandar amostra a Vossa Alteza.
E, segundo diziam esses que lá foram, folgavam com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase todos misturados. Ali, alguns andavam daquelas tinturas quartejados; outros de metades; outros de tanta feição, como em panos de armar, e todos com os beiços furados, e muitos com os ossos neles, e outros sem ossos.
Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que, na cor, queriam parecer de castanheiros, embora mais pequenos. E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos, que, esmagando-os entre os dedos, faziam tintura muito vermelha, de que eles
andavam tintos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.
Todos andam rapados até cima das orelhas; e assim as sobrancelhas e pestanas.
Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas da tintura preta, que parece uma fita preta, da largura de dois dedos.
E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados, que fossem lá andar entre eles; e assim a Diogo Dias, por ser homem ledo, com que eles folgavam. Aos degredados mandou que ficassem lá esta noite.
Foram-se lá todos, e andaram entre eles. E, segundo eles diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitânia. Eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.
Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os achavam; e que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem. Mas, quando se fez tarde
fizeram-nos logo tornar a todos e não quiseram que lá ficasse nenhum. Ainda, segundo diziam, queriam vir com eles.
Resgataram lá por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, maneira de tecido assaz formoso, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse.
E com isto vieram; e nós tornámo-nos às naus.
À terça-feira, depois de comer, fomos em terra dar guarda de lenha e lavar roupa.
Estavam na praia, quando chegamos, obra de sessenta ou setenta sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. Depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos; e misturaram-se todos tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e a meter nos batéis. E lutavam com os nossos e tomavam muito prazer.
Enquanto cortávamos a lenha, faziam dois carpinteiros uma grande Cruz, dum pau, que ontem para isso se cortou.
Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam, do que por verem a Cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens, que ontem a suas casas foram, porque lhas viram lá.
Era já a conversação deles conosco tanta, que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.
O Capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia (e aoutras, se houvessem novas delas) e que, em toda a maneira, não viessem dormir às naus, ainda que eles os mandassem. E assim se foram.
Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá muitos nesta terra. Porém eu não veria mais que até nove ou dez. Outras aves então não vimos, somente algumas pombas-seixas, e pareceram-me bastante maiores
que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas; eu não as vi. Mas, segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infindas maneiras, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!
Cerca da noite nos volvemos para as naus com nossa lenha.
Eu creio, Senhor, que ainda não dei conta aqui a Vossa Alteza da feição de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, as setas também compridas e os ferros delas de canas aparadas, segundo Vossa Alteza verá por alguns que - eu creio -- o Capitão a Ela há de enviar.
À quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer levar às naus isso que cada uma podia levar. Eles acudiram à praia; muitos, segundo das naus vimos. No dizer de Sancho de Tovar, que lá foi, seriam obra de trezentos.
Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem mandou que em toda maneira lá dormissem, volveram-se, já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. Trouxeram papagaios verdes e outras aves pretas, quase como pegas, a não ser que tinham o bico branco e os rabos curtos.
Quando Sancho de Tovar se recolheu à nau, queriam vir com ele alguns, mas ele não quis senão dois mancebos dispostos e homens de prol. Mandou-os essa noite mui bem pensar e curar. Comeram toda a vianda que lhes deram; e mandou fazer-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. Dormiram e folgaram aquela noite.
E assim não houve mais este dia que para escrever seja.
À quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E, em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas. Trouxeram-lhe vianda e comeu. Aos hóspedes, sentaram cada um em sua cadeira. E de tudo o que lhes deram comeram mui bem, especialmente lacão cozido, frio, e arroz.
Não lhes deram vinho, por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.
Acabado o comer, metemo-nos todos no batel e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. Tanto que a tomou, meteu-a logo no beiço, e, porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pequena de cera vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço detrás para ficar segura, e meteu-a no beiço, assim revolta para
cima. E vinha tão contente com ela, como se tivesse uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela, e não apareceu mais aí.
Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta.
Traziam alguns deles arcos e setas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos. Bebiam alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lho avezarem, o beberão de boa vontade.
Andavam todos tão dispostos, tão bem-feitos e galantes com suas tinturas, que pareciam bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam, com mui boa vontade, e levavam-na aos batéis.
Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles.
Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira grande e de muita água que, a nosso parecer, era esta mesma, que vem ter à praia, e em que nós tomamos água.
Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela, entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homens as não podem contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e bons palmitos.
Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz, que estava encostada a uma árvore, junto com o rio, para se erguer amanhã, que é sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses dez ou doze que aí estavam, acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la.
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.
E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons
rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa.
Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
Neste dia, enquanto ali andaram, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som dum tamboril dos nossos, em maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus.
Se lhes homem acenava se queriam vir às naus, faziam-se logo prestes para isso,
em tal maneira que, se a gente todos quisera convidar, todos vieram. Porém não trouxemos esta noite às naus, senão quatro ou cinco, a saber: o Capitão-mor, dois; e Simão de Miranda, um, que trazia já por pajem; e Aires Gomes, outro, também por pajem.
Um dos que o Capitão trouxe era um dos hóspedes, que lhe trouxeram da primeira vez, quando aqui chegamos, o qual veio hoje aqui, vestido na sua camisa, e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados, assim de vianda, como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar.
E hoje, que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra, com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio contra o sul, onde nos pareceu que seria melhor chantar a Cruz, para melhor ser vista. Ali assinalou o Capitão o lugar, onde fizessem a cova para a chantar.
Enquanto a ficaram fazendo, ele com todos nós outros fomos pela Cruz abaixo
do rio, onde ela estava. Dali a trouxemos com esses religiosos e sacerdotes diante cantando, em maneira de procissão.
Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim vir, alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passamos o rio, ao longo da praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta. Andando-se ali nisto, vieram bem cento e cinqüenta ou mais.
Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco a ela obra de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.
E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.
Estiveram assim conosco até acabada a comunhão, depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros.
Alguns deles, por o sol ser grande, quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse
alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos.
Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva; e assim se subiu junto com altar, em uma cadeira. Ali nos pregou do Evangelho e dos Apóstolos, cujo dia hoje é, tratando, ao fim da pregação, deste vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, o que nos aumentou a devoção.
Esses, que à pregação sempre estiveram, quedaram-se como nós olhando para ele. E aquele, que digo, chamava alguns que viessem para ali. Alguns vinham e outros iam-se. E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com
crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que se lançasse a cada um a sua ao pescoço. Pelo que o padre frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha primeiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta.
Isto acabado - era já bem uma hora depois do meio-dia - viemos às naus a comer, trazendo o Capitão consigo aquele mesmo que fez aos outros aquela mostrança para o altar e para o Céu e um seu irmão com ele. Fez-lhe muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca e ao outro uma camisa destoutras.
E, segundo que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que
todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar, porque já então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais, ambos, hoje também comungaram.
Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal, que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha.
Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se converterá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação.
Acabado isto, fomos assim perante eles beijar a Cruz, despedimo-nos e viemos comer.
Creio, Senhor, que com estes dois degredados ficam mais dois grumetes, que esta noite se saíram desta nau no esquife, fugidos para terra. Não vieram mais. E cremos que ficarão aqui, porque de manhã, prazendo a Deus, fazemos daqui nossa partida.
Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia parma, muito chã e muito formosa.
Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.
Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os
achávamos como os de lá.
Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.
Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, bastaria. Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.
E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro - o que dáEla receberei em muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha